quinta-feira, janeiro 11, 2007

Agora Não!

Votei Sim no anterior referendo realizado em Portugal sobre a despenalização do aborto.
Em 1998 avaliava a questão da despenalização do aborto partindo do seguinte princípio: o aborto é aceite, tolerado ou reprimido não pela sua dimensão ética mas por razões de natureza social. Tinha bem claro, tal como presumo que hoje o continue a ser para os defensores do Sim e do Não, que o aborto é um mal e como tal deve ser combatido. Mas, pesava na minha visão da questão a diferença existente entre aborto clandestino e o aborto praticado por médicos especializados e em clínicas apropriadas. Concluía considerando que se todo o aborto é um mal, o aborto clandestino é uma catástrofe.
A questão que se colocava era, pois, a seguinte: se o aborto clandestino existe e é até socialmente aceite ou, pelo menos tolerado, porque não criarem-se as condições que salvaguardem a saúde das mulheres que a ele recorrem? Porque não possibilitar à mulher portuguesa no geral aquilo que só as mulheres possuidoras de melhores condições económicas podiam e faziam (recorrer ao aborto clinicamente assistido em território estrangeiro)? Porquê incriminar as mulheres portuguesas que recorrem ao aborto em Portugal e considerar inocentes as que atravessam a fronteira para abortarem, por exemplo, na vizinha Espanha? Porquê expor as mulheres que recorreram ao aborto clandestino a um julgamento público?
Pesava ainda na minha opção pelo Sim a forte convicção que o aborto tinha como principais causas questões de natureza económica e social: os baixos salários da generalidade das mulheres trabalhadoras, o desemprego, o aumento da precariedade dos vínculos laborais e das condições de trabalho, a desconfiança no futuro, etc.
Na época, a questão era essencialmente política: o voto Sim era uma opção coerente para aqueles que têm uma visão para o desenvolvimento da nossa sociedade chamada de “Esquerda”. O voto Sim representava a vitória do pensamento que a verdadeira luta contra o aborto é a que dá combate às injustiças sociais, à pobreza, às desigualdades e que na impossibilidade de, na situação social actualmente existente, erradicar-se o aborto, e enquanto ele for uma necessidade incontornável para um grande número de mulheres portuguesas, Portugal devia despenalizar o aborto e dar desta forma combate a um problema de saúde pública: o aborto clandestino.
Estava de tal modo convencido com estas razões que me dispus e participei na campanha pelo Sim.
Hoje considero que estava errado. Não pretendo entrar no debate ou comentar a longa lista do argumentário existente sobre a matéria. Os defensores do Sim e do Não esgrimem as suas razões que podem ser facilmente consultadas pela Internet. Os que farão a sua opção de voto pela avaliação dos argumentos pró e contra, têm a vida facilitada. Prefiro enumerar as minhas convicções, as que me levam a votar Não desta vez:
1. Creio hoje em valores absolutos. Valores que não mudam com o tempo nem estão dependentes de conjunturas de natureza social. Naturalmente, não sou ingénuo, ou melhor, procuro não o ser. O homem natural move-se pelo seu ego, toma posição e decide movido pelos seus interesses particulares ou de grupo, ou de classe social. Muitas vezes as suas posições e decisões entram em conflito aberto com os valores absolutos que proclama ter. Mas essa realidade não belisca em nada a convicção na existência de valores absolutos, aplicáveis a toda a humanidade quer ela os respeitem quer não o faça (o que aliás, infelizmente, tantas vezes sucede). A defesa da vida humana é um desses valores absolutos e ela inicia-se no acto da concepção, é essa a minha intuição.
2. Não me acomodo à ideia que a resolução do problema do aborto clandestino é criar as condições para ele ser feito em estabelecimentos de saúde autorizados. O aborto clandestino e as suas causas e problemas de fundo manter-se-ão.
3. Creio que damos combate ao aborto clandestino, assim como aos outros males da sociedade humana falando a verdade. Há sempre alternativa ao recurso ao aborto e há ajuda disponível para o casal ou a mulher que admitem recorrer ao aborto como solução para o que entendem ser um problema. A vida humana pode surgir contra a vontade dos seus progenitores, mas ela nunca é uma doença ou um erro e sempre tem um propósito, ainda que as circunstâncias digam o contrário.
4. Creio que as famílias e as mulheres que recorrem ao aborto clandestino precisam todas elas de ser restauradas (corpo, alma e espírito). Ou seja, as que não são constituídas arguidas pela justiça humana e as que são julgadas em Tribunal. Todos os nossos actos têm consequências. Muitas foram as vezes que ouvi a frase”vergonha é roubar e ser apanhado”. O que nos humilha não é sermos apanhados, é roubarmos. Mas o ser humano vale infinitamente mais do que aquilo que faz e não há problema ou circunstância que não possam ser superados. Falo por experiência própria.

Alfredo Marques